Das leis ambientais (federais), muito recentes, que mexerão de forma significativa com todos os cidadãos deste País e que vêm sendo debatidas em seminários, visando analisar seus aspectos e suas influências no cotidiano das pessoas físicas e jurídicas, se destacam a Lei das Águas, Lei n o 9.433 de 8 de janeiro de 1997 e a Lei dos Crimes Ambientais, Lei no 9.605 de 12 de fevereiro de 1998.
Tendo em vista a primeira delas já ser mais badalada em discussões por esse Brasil e principalmente na região sudeste, começarei por ela, neste artigo, visando mostrar para o leitor do "Diário do Vale" a sua origem, alguns de seus aspectos e as preocupações que poderão advir, bem como as atenções que devem ser tomadas quando de sua regulamentação. Em outra ocasião, comentarei sobre a Lei dos Crimes Ambientais.
A idéia da Lei das Águas nasceu, provavelmente, na França, baseada na necessidade de recuperar o estado precário do Rio Sena e extrapolou para o fato imperativo de se dar um tratamento mais nobre a esse bem escasso no Planeta, que é a água doce.
Tornar-se-ia cansativo repetir aqui porque a água doce é um bem escasso; a grande maioria já sabe que as disponibilidades de água doce no nosso planeta são mínimas e que já há até guerras, devidas à essa escassez.
Vamos, então, ao que interessa.
Pretende a Lei das Águas descentralizar a gestão dos usos da água por bacias hidrográficas e gerar recursos financeiros a serem empregados na própria bacia.
As primeiras expressões que surgem para serem entendidas são: Usuário-Pagador e Usuário-Poluidor.
Usuário-Pagador é fácil de definir. Se alguém usar água advinda de qualquer parte da Natureza, deverá pagar pelo volume utilizado desta água. No caso, esse pagamento é independente do pagamento que normalmente se faz pelos serviços que as companhias de água cobram para colocar água tratada em nossas torneiras, sejamos pessoas físicas ou jurídicas.
Usuário-Poluidor – para essa definição a coisa começa a pegar. Não há dúvida que qualquer uso da água a polui. Seríamos, então, todos, poluidores. Para que não tenhamos essa pecha é que foram criados parâmetros e padrões. Parâmetro significa o tipo de poluente e padrão é a quantidade máxima desse poluente admissível de ser lançada a um rio (lago, mar etc.) para que desapareça de nossas costas a pecha de poluidor. Vamos citar um exemplo para a indústria: para o parâmetro chumbo é permitido, por lei, um lançamento de 0,5mg em cada litro de água servida. 0,5mg/l é então o padrão de lançamento para o parâmetro chumbo. Se o usuário da água lançá-la de volta ao rio em quantidade maior que 0,5mg/l ele é poluidor e teria que ser classificado com Poluidor-Pagador. Mas, aí é que vem a primeira dúvida: e se ele pegou para uso no rio uma água que já continha essa quantidade ou maior de chumbo e a devolveu acima do padrão; ele teria que pagar? Se devolveu com quantidade menor ele não teria direito a um crédito? Se devolveu acima de que recebeu, não teria que pagar só pelo acréscimo? Esses são os primeiros questionamentos.
Tomemos, agora, o exemplo do simples usuário doméstico da água para o uso diário. Somos Usuários-Pagadores, já vimos. Quando devolvemos a água que usamos para o rio, seremos Usuários-Poluidores?
Como se sabe, a nossa água servida está poluída. Se não houver tratamento, estaremos, cada um de nós, poluindo o rio com a média de 54 gramas de equivalente em carga orgânica, a cada dia. É uma taxa poluidora, pois o ideal seria que essa taxa fosse oito ou dez vezes menor. Acontece que, para esse caso, já pagamos a tradicional conta mensal de água e esgoto, no pressuposto de que alguém irá cuidar de despoluir nossas águas servidas, antes de lançá-las de volta ao rio, haja vista que às companhias de água, a rigor, cabem: pegar a água do rio (captar); tratar; distribuir (colocá-las pressurizadas nos canos até chegarem às nossas casas); coletar as águas servidas (redes de esgoto) e finalmente, tratá-las (reduzir a carga orgânica) para, então, devolvê-las ao rio.
Dessa forma, nesse caso, não nos cabe a pecha de poluidores pois, é de se supor que a obrigação de tratar essas águas servidas não é nossa e, se essas águas estão sendo devolvidas ao rio acima do padrão, quem está poluindo é a companhia de águas e com isso, ela é quem deveria pagar a taxa como Usuária-Poluidora. Tal aspecto deve ser muito bem abordado quando da regulamentação da lei.
Outro fato interessante é o consumo de água subterrânea (poços) por indústrias e populações em geral. Como medir o consumo e a taxa poluidora quando essa água for despejada no rio?
A questão fica mais complicada quando se vai para a agricultura. É na agricultura onde se localiza o maior consumo de água e é lá onde estão aqueles que têm menor poder econômico para pagar. Como contornar? Talvez uma saída seja através do controle pelo lado poluidor, com o estabelecimento de regras rígidas no uso dos defensivos e nutrientes (fortes poluidores das águas).
E as poluições das águas devidas aos lixões? E a utilização das águas para fins de navegação, controle de enchentes e geração de energia elétrica?
Como pode se depreender, a implantação da Lei das Águas é complexa, passando pela análise da qualidade da água antes de ser usada, a escolha dos parâmetros a serem adotados e as respostas às dúvidas aqui colocadas.:
Fonte: Gil Portugal - Diário do Vale